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Alfredo de Arruda Câmara


Alfredo de Arruda Câmara foi um sacerdote e político conservador. Tio
Alfredo era meu padrinho de Crisma, como dizem os católicos, de Confirmação
como dizem os luteranos. Muito severo, eu em criança me sentia atemorizado na sua presença.





Tio Alfredo formou-se em Filosofia e Teologia no Brasil. Na Itália fez
doutorado em Teologia Dogmática na Universidade Gregoriana de Roma e foi
laureado em Filosofia pela Academia de Santo Tomáz. Durante o período traduziu
livros do Francês. Ordenou-se em Roma.


Voltando ao Brasil ele assumiu uma paróquia, uma reitoria num seminário
e iniciou sua carreira política, sendo eleito e reeleito deputado federal até
morrer. O Vaticano o agraciou com a honraria de Monsenhor. Político atuante ele
sempre carregou sua arma por baixo da batina. Canta a poetisa Marlene Couto Brandão: "seu destemor o deixou como valente vigário, que guardava na batina o revolver e o rosário".





Homem de sangue forte tinha o destemor e a frontalidade da família. Homem
de temperamento intenso teve dificuldades em manter os votos
sacerdotais de pobreza, humildade e castidade.


Publicou mais de dez livros, atuou como jornalista e professor de Latim e História
da Filosofia. Tinha inteligência e memória brilhantes. Certa vez antes de fazer
um importante discurso no Congresso ele foi procurado e
entrevistado por uma repórter. Ao fim da entrevista ela lhe perguntou se
poderia ter uma cópia do discurso. Ele respondeu que infelizmente já tinha
jogado o texto fora. A repórter perguntou-lhe como ele então se lembraria de um
discurso tão longo, de tantas páginas. Tio Alfredo levemente ofendido
respondeu: - E eu serei algum oligofrênico?!





Líder político atuante em sua casa aconteceram algumas das reuniões que
levaram à queda de Miguel Arraes e a de João Goulart em 1964. Na altura o comandante
do IV Exército, general Justino Alves Bastos, ao saber das reuniões enviou um
destacamento militar e um oficial exigindo as atas das reuniões. Tio Alfredo
recebeu o oficial na porta da casa. Ao saber das exigências do general
respondeu que não tratava com oficiais subalternos, que se o general queria as
atas que viesse busca-las pessoalmente. O general naturalmente não apareceu.





De postura altiva, tinha passos largos, rosto severo, voz grave. Anticomunista
e digno manteve uma relação de profundo respeito com o sobrinho Diógenes de
Arruda Câmara fundador do Partido Comunista de Brasil. Não poucas vezes tio e
sobrinho tiveram debates políticos públicos. Os dois se admiravam mutuamente. Em
decorrência da revolução liderada por tio Alfredo tio Diógenes foi preso e
torturado. À pedido das sobrinhas Dolores e Assunção o Monsenhor tentou
proteger Diógenes. Diógenes naturalmente recusou.





Tio Alfredo por três vezes conseguiu licença de seus superiores, pegou
em armas e lutou. Em Outubro de 31 durante o cerco a Recife e em consequência do
motim de Pedro Calado ele foi baleado e largado semimorto. Foi salvo por uma
transfusão de sangue de Caio, irmão do interventor Carlos de Lima Cavalcanti.
Na Revolução Constitucionalista contra Getúlio Vargas ele seguiu com as tropas
e lutou até São Paulo.


Foi deputado na Constituinte de 33 e introduziu suas convicções na nova
Constituição: ensino religioso nas escolas públicas, assistência religiosa às
Forças Armadas e reconhecimento civil do casamento religioso.





Foi fundador e por dez anos presidiu o Partido Democrata Cristão local, inspirado no
movimento social democrata europeu. Ele defendia uma terceira via, entre a
direita e a esquerda, afastada tanto do comunismo quanto do capitalismo. Foi
eleito seis vezes, participou de três Assembleias Constituintes e foi diretor
da Caixa Econômica por dez anos.


Das Forças Armadas recebeu as patentes de tenente-coronel da Polícia
Militar e de major do Exército. 
Do Vaticano recebeu as dignidades de Monsenhor Prelado de Sua Santidade,
de Protonotário Apostólico e de Ca
mareiro do Papa. Quando faleceu foi sepultado com honras religiosas e militares. Hoje existem estátuas, escolas, ruas e praças em sua homenagem.



Tio Alfredo era um homem generoso, de profunda piedade cristã.

Em uma de suas lutas ele foi abatido e se viu rodeado por seus companheiros todos mortos. Surge então um adversário armado verificando se todos estavam realmente mortos. O homem chutava um a um os caídos. Os que se mexiam ele baleava na cabeça. Tio Alfredo permanecia imóvel fingindo-se de morto. Quando o homem se aproximou ele sacou a arma e o atingiu com um tiro certeiro.

Depois se levantou, foi até o homem e como sacerdote deu-lhe a Extrema Unção.


Diógenes de Arruda Câmara


Diógenes de Arruda Câmara foi um político de esquerda, um comunista
histórico. Tio Diógenes, irmão de minha mãe, foi um dos heróis da resistência à
ditadura militar de 64.


Era secretário de estado de Miguel Arraes quando este foi derrubado
pelo golpe de 64, conspiração da qual fez parte um outro tio, Alfredo de Arruda
Câmara.





Diógenes entrou cedo para a política quando estudava engenharia na
Bahia. Militou no partido comunista por 45 anos até morrer. Foi membro do
comitê central e figura essencial do partido. Conheceu Stalin e outros chefes
de estado, viajou pelo mundo, participou intensamente da política nacional e
internacional. Foi eleito deputado federal por São Paulo, atuou no Congresso de
47 a 52. Jorge Amado lhe dedicou o livro
Subterrâneos da Liberdade.





Durante o período Estado Novo ele foi preso algumas vezes. Após uma
dessas prisões ele decidiu ir para a fazenda do pai para recuperar a saúde,
descansar um pouco e avisou meu avô por telegrama do dia em que chegaria. Meu avô
sabia que o filho tinha sido preso e torturado. No dia da chegada de tio
Diógenes meu avô ao invés de ir busca-lo na estação de trem mandou um capataz
da fazenda com uma pergunta. Havia se comportado com dignidade na prisão? Se
não poderia voltar da estação mesmo.





Tive o privilégio de conviver com Diógenes intensamente por mais de
dois meses. Quando aconteceu o golpe de 64 o partido estava muito
desestruturado. Diógenes se escondeu no Mosteiro de São Bento, de Olinda, levado pelo cunhado Dom Mariano. Os
beneditinos o protegeram.


Um belo dia toca a campainha lá de casa na Lagoa Rodrigo de Freitas no
Rio. Fui atender, abri a porta e vi na minha frente dois monges, dois homens em
hábitos beneditinos. Um deles era tio Diógenes. Demorei para reconhece-lo, ele
estava sem o tradicional e farto bigode.


Ele havia escapado do mosteiro de Olinda e viajado incógnito de ônibus acompanhado
por um monge beneditino de verdade, com a identidade de meu tio Francisco Ferro,
cuja foto no documento, sem bigode, se parecia muito com ele.





Tio Diógenes ficou escondido em nossa casa, hospedado em meu quarto.


Ele não saia de casa para absolutamente nada como é natural, procurado
pelo Exército. Nesta época contamos com o apoio logístico do pai de meu amigo
Guilherme, o teatrólogo Alfredo Dias Gomes, autor do Pagador de Promessas, de
novelas como o Bem Amado, marido de Janete Clair, a criadora da novela televisiva
brasileira.





Quando ficou perigoso para tio Diógenes continuar em nossa casa, ele
passou algum tempo no apartamento de Copacabana do artista plástico Chlau Deveza,
pai de meu amigo Michael. Depois disso o partido cuidou dele e ele desapareceu.


Durante os meses que dividimos meu quarto convivi intensamente com ele.
Ele lia meus escritos, minhas poesias, dizia que gostava, me indicava leituras,
comentávamos livros, olhávamos álbuns de arte, líamos jornais, discutíamos a situação política, discutíamos sobre tudo.
Cultíssimo ele contribuiu muito para minha formação cultural.





Tio Diógenes terminou sendo preso. Durante mais de dois anos ele foi
barbaramente torturado, sem nunca delatar. Quebram-lhe todos os dedos, teve os ouvidos
inflamados, costelas quebradas, um rim afetado, ligamentos da perna rompidos,
meniscos fraturados, tuberculose nos dois pulmões, perdeu quase totalmente a visão e finalmente ataques cardíacos.


Houve uma sessão de torturas onde ele recebeu tantos choques elétricos
no pau-de-arara que seu corpo girou 360 graus em volta do eixo da tortura. Uma
dessas sessões se prolongou durante tantas horas que os torturadores cansados precisaram
se revezar. Tio Diógenes mantinha-se firme e calado. Finalmente exausto um dos
torturadores estendeu-lhe a mão e disse:


- Quero apertar a mão do maior homem de verdade que já conheci. Tio
Diógenes cuspiu na cara dele. O cara sumiu, nunca mais foi visto nos
calabouços.





Depois de solto ele foi viver exilado no Chile e na França. Foi hóspede
e recebido como chefe de estado por Mao-Tsé-Tung. Diógenes era um homem culto,
alegre, com uma imensa vontade e alegria de viver. Fascinado pela beleza das
mulheres, por culinária, por poesia, por viagens. Tinha uma empatia enorme com
as pessoas, tinha sempre uma história divertida, inspiradora, fascinante para
contar. 
Tio Diógenes morreu como viveu. Morreu de alegria.





Poucos meses depois de voltar do exílio ao Brasil ele reencontrou o grande
amigo João Amazonas que também estava voltando do exílio. Tio Diógenes foi recebê-lo e
depois de abraça-lo no aeroporto de São Paulo seu coração enfraquecido pelas
torturas não resistiu.

Terezinha de Arruda Câmara


Terezinha Arruda Câmara, conhecida carinhosamente como Têta, minha tia, irmã de mamãe.

Mulher
forte, bonita, generosa, alegre, desbocada. Enfrentou com coragem a perda do
marido e a dor antinatural de perder um filho.





Mais que a alegria de viver a característica marcante de Têta é a
generosidade. Ela que sempre teve uma excelente condição financeira, sempre
apoiando quem da família necessitasse, criando três sobrinhos. Hospedando quem
precisasse.


As festas em sua casa eram famosas. Na verdade todos os sábados eram
dias de festas intermináveis. A casa sempre cheia, a mesa cheia de delícias, os
copos cheios do melhor scotch.





Têta é o suprassumo dos Câmara, orgulhosa da estirpe.


Funcionária da Caixa Econômica um dia ela encontrou em sua mesa um
recorte de jornal. Anonimamente alguém tinha colocado o recorte bem visível no
centro de sua mesa. A notícia se referia ao fechamento pela polícia de um
bordel cuja cafetina tinha o sobrenome Câmara. Não era da família, mas
lá estava o recorte para ofender.





Têta reagiu imediatamente aos brados, para que todos ouvissem, segurando nas mãos e balançando no ar o recorte do jornal.


- Não sei e nem quero saber quem botou aqui esta porcaria! Meu pai foi
presidente deste banco. Minha família é grande, importante e nela tem de tudo,
mas essa aqui não é minha parente. Se em família importante acontecem certas
coisas imagine-se em famílias sem nome como a do covarde que recortou isso.

Maria das Graças de Arruda Câmara.


Maria das Graças de Arruda Câmara, Gracinha.

Minha tia, filha do segundo casamento
de meu avô que tinha enviuvado. Gracinha é uma das mulheres mais bonitas da
família. Apesar do temperamento forte, como é natural da raça, ela tem um jeito suave
e delicado.





Por ser a filha mais nova do segundo casamento de meu avô nossa
diferença de idade é pequena, apenas uns poucos anos nos separando, tia e
sobrinho.


Quando Gracinha tinha uns 15 ou 16 anos veio passar umas férias em
nossa casa de praia. Apesar de ser um menino eu ficava fascinado pela beleza
dela. Era muito bonita mesmo, de rosto e de corpo.





Um dia estávamos na sala, ela lendo um livro, eu fazendo qualquer
coisa, rondando a menina bonita. De repente ela grita para minha mãe:


- Assunção venha cá. Venha aqui ver Ivan passando a mão nas minhas
pernas!  

Invasões Bárbaras


A Europa que já não consegue lidar satisfatoriamente com seus milhões de imigrantes legais e ilegais estabelecidos terá que lidar com potenciais 150 milhões de refugiados da Fome.





Um mundo sem fome é possível pois o planeta produz alimentos suficientes para seus sete bilhões de habitantes. Ainda assim existem 1 bilhão de famintos no planeta localizados inclusive nas regiões onde os alimentos são produzidos. A fome não é um problema causado pela natureza, a fome é um problema político. Um gravíssimo problema político.


Quase metade da população mundial vive direta ou indiretamente do cultivo de alimentos, mas populações que vivem da agricultura familiar não têm seus interesses representados nos acordos internacionais. Famintos não contam, eles não têm lobby.


Países industrializados fazem o discurso da solidariedade. Para serem efetivos eles teriam de cortar subsídios agrícolas, controlar a especulação e se conscientizar da ameaça potencial de milhões de imigrantes prestes a fugir da fome africana.




Subsídios.


A UE destina 40% de seu orçamento às subvenções agrícolas, o que contribui para inviabilizar a produção local de países africanos que não conseguem competir com produtos muito mais baratos dos países desenvolvidos..

Agricultores europeus produzem além da demanda sem se preocupar por que os subsídios lhes garantem uma renda que agricultores dos países pobres nem ousam sonhar. A Europa sustenta artificialmente seus produtores enquanto ajuda a arruinar a vida dos africanos.



Especulação.


Investidores do mercado financeiro fizeram da especulação com os alimentos básicos uma fonte de grandes lucros. Preços aumentaram em torno de 30% apenas na alta do segundo semestre de 2010. Populações de países pobres não conseguem pagar estes preços. Eles provocam tanta destruição quanto o comércio de armas dos mercadores da morte.





Indiferença.


A comunidade internacional lida com o escândalo da fome no século 21 com indiferença e irresponsabilidade. Em 2008 os altos preços dos alimentos provocaram revoltas de Camarões ao Egito. Um erro terrível por subestimar a força dos pobres e famintos com seu potencial político explosivo. 





Neste aspecto a FAO - Food and Agriculture Organization - o orgão da ONU baseado em Roma para a alimentação e agricultura, comandada pelo brasileiro José Graziano da Silva, até agora tem sido impotente e irrelevante apesar de seu lema inspirador Fiat Panis. Graziano trabalha há mais de 30 anos com "segurança alimentar".



Cegueira política e interesses econômicos estão transformando a fome em um fator de altíssimo risco para a estabilidade política tanto para as regiões atingidas quanto para a União Européia.

A Europa poderá ter que lidar com potenciais 150 milhões de refugiados da fome vindos da vizinha África nos próximos oito anos. A fome nos países pobres é na prática um genocídio controlado, consentido e tolerado pelos países industrializados.



A Africa está a menos de 15 km da Europa. Uma nova invasão de bárbaros está sendo perigosamente gestada contra uma região em crise que não consegue sequer resolver seus próprios problemas.

Carta Aberta a Virgínia


Cara Prima, 




Como sabes por nossos papos cada dia gosto mais de Sampa. Não que antes não gostasse pois sempre estive muito por aqui à trabalho ou em turismo cultural ou gastronômico. Mas morar é diferente. 


Moro na Liberdade, que apesar de ser um bairro de classe média baixa me fascina por ser um bairro de japoneses e mais recentemente de nordestinos, um mix só possível nesta paulicéia desvairada. Aqui faço minhas refeições num restaurante chinês onde normalmente sou o único ocidental, numa fantástica pizzaria ou em algum restaurante nordestino que tem todas aquelas delícias sertanejas que bem conheces. Nunca minha gula viveu tão feliz. 





Por conta deste mix étnico, asiático-nordestino, a paisagem feminina é esteticamente muito rica, com excessos, ausências, curvas, olhos, cores e obliquidades muito agradáveis. Há pudores e oferecimentos típicos, como podes adivinhar. Mas prefiro discutir isso com um primo, não com uma prima.

Aqui na Liberdade tenho a liberdade de como luterano frequentar minha própria igreja numa igreja de japoneses, desfrutando do incrível prazer estético de ouvir em japonês um culto cristão-alemão.

Também aqui desfruto da liberdade de trabalhar em home-office o que me resguarda do stress paulistano. Mas como algumas vezes por semana tenho reuniões de trabalho na região da Paulista ou da Berrini eis que de repente em alguns minutos me transporto da provinciana Liberdade para Noviorque.

Tudo isso para não falar das apocalípticas tempestades em cujos efeitos especiais estou me viciando.





Infelizmente Sampa me transformou num hipócrita.


Aqui sou visto como carioca. Normalmente sou reconhecido como um carioca, como realmente o sou, por conta do que ainda resta de meu sotaque original. Mas em certas situações passo por nordestino por ter família em Pernambuco e Alagoas, por conhecer tão bem aqueles lugares. Já em outras passo por baiano por ter vivido tanto tempo em Salvador e amar tanto aquela terra de brisas e azuis. E quando nenhuma dessas situações me é conveniente passo por nada, pelos anos que vivi em Portugal, Inglaterra e Alemanha.

Um comportamento lamentável, vergonhoso, mas que não deixa de ser muito divertido.



Agora mesmo cheguei do jantar. Despudoradamente, irresponsavelmente, degustei uma feijoada digna de uma gracia. O gentil cearense não parava de me perguntar: quer mais torresmo, quer mais farofa, quer mais couve? Nesta hora me lembrei do Tim Maia, durante um show, pedindo ao maestro da orquestra: - Mais grave, mais agudo, mais cordas, mais metais, mais retorno, mais tudo!





Mesmo assim guardo uma mágoa.


Não consigo entender como você minha prima que vives há décadas em São Paulo, uma pessoa de quem tanto gosto, pôde esconder de alguém que tanto lhe considera, guardar com tanto zêlo eu diria até de forma cruelmente egoísta, sonegar ao sangue do seu sangue um segredo tão agradável.


Imperdoável prima!



Beijos do Ivan

A Fome na África


A fome na África também é um problema de Mercado.


O Brasil e os EUA são os maiores produtores mundiais de milho, trigo, soja e carne. Com mais de 210 milhões de bois o rebanho bovino brasileiro é maior que a própria população, há mais bois do que pessoas. A União Européia destina 40% de seu orçamento às subvenções agrícolas para enfrentar a eficiência e o volume da produção americana e brasileira. 





Produtos baratos contribuem para acabar com a produção local nos países africanos, essencialmente agrícolas, que não conseguem competir com produtos muito mais baratos. Sem acesso a sementes, fertilizantes, defensivos e tecnologia, a produção africana de alimentos entrou em colapso. Além disso de 20% a 40% da colheita agrícola costumam se perder pelas deficiências de transporte, armazenamento e processamento.


A eficiência, o volume de produção e os subsídios nos Estados Unidos, Brasil e Europa contribuem para inviabilizar a produção de alimentos nos países pobres da África. 





A carne de frango é um bom exemplo.


Há vinte anos os frangos em geral eram vendidos inteiros. Os hábitos mudaram e os países ricos passaram a consumir principalmente peito de frango e outras partes nobres. O excedente é exportado a preços baixos. Um quilo de frango congelado importado pode ser encontrado nos países africanos por cerca de 0,70 centimos de Euro, 0,92 centavos de Dólar, 1,70 Real.


Um quilo de frango produzido localmente na África chega a custar quase seis vezes mais: 4 Euros, 5,24 Dólares, 9,70 Reais. Isso arruinou não apenas os avicultores locais, mas também os produtores de forragem, os abatedouros e o comercio associado. 





Sem ter muito o que exportar para pagar por estas importações a África passa cada vez mais fome em um mundo que produz cada vez mais alimentos. A eficiência e a escala da produção mundial de alimentos ao invés de aliviar a fome, está contribuindo para aumenta-la no continente esquecido. Um mecanismo cruel do mercado que enriquece os ricos e empobrece os pobres. Uma contradição típica do sistema. 





Um continente de imensas terras férteis passa fome. Com a produção agrícola arruinada, uma imensa população pobre e terras baratas a África está no alvo de investimentos chineses. A FAO, Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, já fala de uma corrida às terras férteis, uma forma de neocolonialismo. A China teria obtido do Congo uma concessão de 2,8 milhões de hectares para implantar o maior palmeiral do mundo.


Na visita de Hu Jintao a Camarões em 2007 os chineses assinaram acordos onde passaram a ser os únicos estrangeiros que podem permanecer no país por 18 meses sem contrato de trabalho. O país teria se comprometido a receber 700.000 chineses. A China está literalmente comprando a África em contratos celebrados em alto nível, discretamente por trás de portas, com líderes africanos que assinam acordos sem consultar seus parlamentos. 





Para o continente esquecido e para os eternos parias da humanidade resta a fome ou a submissão.


Castro Alves que viu o Navio Negreiro voltaria novamente a se perguntar. Quem são estes desgraçados que não encontram na comunidade mundial mais do que um rir calmo ou a indiferença do mercado, que excita a fúria do algoz? 


São os filhos do deserto, onde a terra esposa a luz, onde viveram em campo aberto em tribo de homens nus, guerreiros ousados. Ontem simples, fortes, bravos, hoje míseros escravos, sem luz, sem ar, sem razão. Mulheres desgraçadas que sedentas, alquebradas, trazem com tíbios passos, filhos e algemas nos braços, na alma lágrimas e fel. Antes era o areal extenso, depois o oceano de pó no horizonte imenso, ambos desertos de fome, o cansaço e sede.


Depois era cair p'ra não mais s'erguer, numa vaga do mar ou num lugar na cadeia. 





Para preservar sua produção, investir no desenvolvimento agrícola e garantir o trabalho no campo os países africanos precisariam se proteger da concorrência dos produtos baratos vindos dos países ricos. Eles não têm força política para isso. Quando Gana falou em aumentar suas tarifas de importação o Banco Mundial e o FMI ameaçaram com congelamento de crédito. O governo de Gana recuou.


Ontem o tronco, hoje o lugar que lhes coube na Globalização.