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Presunto Serrano.


Perto da esquina da minha rua, Nascimento Silva com Montenegro, hoje Vinícius de Moraes, em Ipanema,  havia um boteco. Um boteco naturalmente de portugueses, como os verdadeiros botecos do Rio. Quando recebia minha mesada, que na verdade era dada por semana, a primeira coisa que eu fazia no sábado de manhã era ir lá no tal boteco comer sardinhas.

O portuga – no sentido carinhoso da palavra é claro – que era da Serra da Estrela tinha na parede um quadro de Portugal.



Ele parecia gostar daquele garoto de 14 anos que gastava parte da mesada no balcão. Apenas parte, por que a maioria do dinheiro eu gastava em álbuns de coleções de arte na banca de revistas.


Por coincidência o dono da banca também era um português, vindo de Angola, refugiado da inútil guerra colonial. Este gajo, que fora oficial da tropa, me contava estórias incríveis da guerra dos portugueses contra os pretos angolanos. Pretos aqui não tem nenhum sentido pejorativo, pretos mesmo é assim que lá se fala. Eu ficava fascinado com as estórias.




Mas o papo é sobre o boteco.  Um dia quando pedi ao portuga uma tosta mista (misto quente) ele disse,

- O fiambre acabou.



Fiambre é como os portugueses chamam o que aqui chamamos de presunto. 


- E agora? 


- Bem se quiseres te faço uma sandes (sanduíche) com um presunto português que recebi da minha terrinha. 


- Ok vou experimentar. 


Ele fez. Que delícia, que descoberta. Mais escuro, mais consistente, mais salgado, mais saboroso. Nas fatias finas a gordura entremeada na carne se desfiava na mordida. Um sabor intenso, forte, inesperado.

Ele me olhava sorrindo enquanto eu me deliciava. 


- Então, gostastes? 


- Maravilha! 




Muitos anos depois quando me mudei para Portugal sempre me lembrava do portuga da esquina quando comia sardinhas. Lembrava mais ainda quando comia Presunto Serrano e quando descobri o divino Queijo da Serra lá da terrinha dele.

Hoje, tendo voltado há tantos anos para o Brasil, Portugal é como o quadro na parede daquele boteco. Mas como dói.


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